terça-feira, 8 de dezembro de 2009

UM RÉU REINCIDENTE


Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
O réu reincidente é o mensalão. Epidemia contagiosa que parece ter penetrado fundo no DNA da política brasileira, especialmente nos últimos anos. Mudam os personagens, mudam os lugares e circunstâncias, mudam as imagens, mas o cenário é sempre o mesmo: o palco controvertido da ação pública. Por meio de conversas e vídeos gravados, pela investigação da imprensa ou da polícia federal, o que está oculto vem à luz do dia. Desfilam então diante de nossos olhos, recheadas de dinheiro, meias e cuecas, malas e sacolas, bolsos e bolsas... Seria até humorístico, se não fosse trágico.
Não é ocioso refrescar a memória. Primeiro, foi o mensalão do governo federal (PT no meio do redemoinho); depois, veio o mensalão do governo estadual de Minas Gerais (PSDB no meio do redemoinho); por fim, estamos às voltas com o mensalão do governo do Distrito Federal (DEM no meio do redemoinho). Em todos eles, mensalão define-se como um pagamento regular e periódico a determinados políticos, com o objetivo de comprar sua influência, em beneficio de interesses particulares. Interesses sempre escuros e escusos, que revelam batalhas e disputas travadas nos bastidores, em que os demais partidos, direta ou indiretamente, também estão envolvidos.
Diante dos tribunais da mídia e da opinião pública, vão desfilando rostos conhecidos, de cidadãos respeitados, legitimamente eleitos nas urnas, pretensos representantes da população. Porém, diferentemente de outros criminosos, não aparecem como réus, raramente comparecem aos tribunais do Poder Judiciário, e menos ainda às celas do sistema penitenciário. Embora muitas vezes as provas sejam contundentes, o poder revestido de dinheiro e influência banca excelentes advogados. Esgotam-se todos os recursos previstos em lei, até que o delito, qual fruto podre, cai no esquecimento. Réu é o mensalão, não seus beneficiados.
É bem verdade que o espírito evangélico condena o pecado, procurando salvar o pecador. Mas para isso há uma conditio sine qua non: que ele esteja profundamente arrependido e disposto a emendar-se. Não é exatamente o que se vê nestes casos. Ao contrário, em lugar de olhar de frente a culpa, prevalece uma tentativa de desqualificar o acusador, chegando ao ponto de colocá-lo no banco dos réus. O Ministério Público contabiliza várias dessas tentativas. No fundo, se o mensalão é reincidente é porque alguém o nutre e sustenta. Alguém que, em não poucos casos, retorna à política premiado por milhões de votos, em geral obtidos de forma nada transparente.
Da mesma forma que o crime organizado, o narcotráfico e a violência no campo e na cidade, o mensalão prolifera porque conta com o silêncio de uns, a cumplicidade de outros e a impunidade da justiça. A comparação parece exagerada? Talvez sim e talvez não! Basta ver o que causa maior estrago na sociedade: o tráfico de seres humanos, de armas e de droga, por um lado, ou o mau uso do dinheiro público, por outro? Difícil ter aqui uma resposta precisa, em termos estatísticos confiáveis. Mas uma coisa é certa: se o crime organizado e a violência destroem milhares de vidas e de famílias, o desvio do erário público multiplica carências e precariedade nos sistemas de saúde, educação, transporte coletivo, segurança, e assim por diante. Impede o desenvolvimento de políticas públicas sérias e sólidas, as quais acabam sendo substituídas por políticas compensatórias, vale dizer “migalhas e esmolas”. Também é certo que um crime favorece, encobre e fortalece o outro. Ambos se mesclam e entrelaçam na corrosão do tecido social e da democracia.
Mais grave ainda, quando aqueles que foram eleitos para garantir a ética no exercício da política corrompem ou se deixam corromper, abrem as portas a todo tipo de crime. Qualquer atitude perniciosa, se e quando vinda de uma autoridade, tem mais repercussão e, por isso mesmo, maior poder de contaminação e destruição. A verdade é que o vírus da corrupção, histórico e estrutural no Brasil, ganha contornos preocupantes nos exemplos do mensalão. Pior quando vem protegido por uma espécie de corporativismo – para não falar de promiscuidade – de representantes dos três poderes. Pobre de nossa democracia!
Há vacina contra essa epidemia? Qual o antídoto a ser utilizado? O único remédio é a consciência popular, pessoal e coletiva. Não basta depositar o voto na urna. Do jeito que as coisas estão, e dada a correlação de forças no contexto sócio-econômico, corremos o risco de eleger aquele que cedo ou tarde irá nos trair, independentemente de sua vontade. Salvo, é claro, raras e ilustres exceções!
É preciso votar e, ao mesmo tempo, construir novos canais e formas de controle, seja do uso do poder público, seja do orçamento de municípios, estados e da União. A via parlamentar, se não quiser tornar-se para lamentar, deve ser acompanhada de instituições sociais críticas e autônomas, extra-partidárias, com instrumentos e mecanismos próprios de ação política. Podemos citar o exemplo dos Conselhos Populares, quando não são controlados pela influência dos políticos e de seus compadres.

Um comentário:

  1. Infelismente isto é verdade. Mas também demostra o intenso trabalho de conscientização que temos que fazer para mudar esta realidade.

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