sexta-feira, 17 de junho de 2011

Bombeiros, bom exemplo de mobilização

 Escrito por Wladimir Pomar


A luta dos bombeiros do Rio, que quase ninguém supunha possível, mas cujas condições salariais e de trabalho são vergonhosas para um estado que sediará os Jogos Mundiais Militares, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, é o primeiro bom exemplo de mobilização massiva, que se transformou de luta econômica em luta política. Com a particularidade de que se confrontou com um governo do qual fazem parte o PT e outros partidos de esquerda. A rigor, os bombeiros não reivindicavam qualquer exorbitância.


Pretendiam que seu salário passasse de míseros mil reais por mês para cerca de dois mil reais. Mesmo com um aumento de cem por cento, esse salário ainda continuaria sendo um dos mais baixos do país, em comparação com os de bombeiros de outros estados. Além disso, reivindicavam melhores condições de trabalho, com o fornecimento de equipamentos e proteções apropriadas ao desempenho de suas ações de risco.

A inabilidade com que essas reivindicações foram tratadas levou parte dos bombeiros em greve a invadir e ocupar, juntamente com seus familiares, o quartel-general da corporação. Mais uma vez, ao invés de negociar com os bombeiros e obter uma saída pacífica, o governo do estado decidiu utilizar a tropa de choque da polícia militar e qualificar os bombeiros de vândalos.

Com esse gesto, embora muita gente tenha considerado errada aquela invasão e ocupação, o governo fluminense conseguiu mobilizar o conjunto da população não a seu favor, mas a favor dos bombeiros.

Quanto mais pessoas tomavam conhecimento dos salários iníquos e das péssimas condições de trabalho daqueles profissionais, e mais firmes os bombeiros se mostravam na decisão de continuar a luta e a mobilização, maior se tornou a solidariedade popular a eles, inclusive no restante do país e no exterior.

Os partidos de esquerda também declararam sua solidariedade e seu apoio aos bombeiros e entraram em campo, tanto para restabelecer a negociação do governo com os grevistas quanto para obter a libertação dos 439 bombeiros presos e processados pela invasão e ocupação de um patrimônio público. À luta pelo atendimento das reivindicações econômicas somou-se a luta política pelo direito à luta, agora tendo a anistia como principal meta.

Esse bom exemplo de mobilização social não deve ser encarado como um fenômeno restrito aos bombeiros do Rio. O Brasil vive um momento delicado em que parcelas consideráveis da população, após oito anos de governos com forte participação da esquerda, emergiram com um poder aquisitivo maior, seja devido aos programas sociais de redistribuição de renda seja em virtude do crescimento do emprego.

Porém, esse processo não é equilibrado e dificilmente poderia sê-lo. O caso dos bombeiros do Rio mostra que há fortes desequilíbrios na redistribuição de renda e no acesso a poderes aquisitivos mais elevados, o que deve estar causando tensões em diferentes setores profissionais e sociais. Ainda mais que os governos fazem questão de propagar as vantagens de uma nova classe média emergente. Quem se acha excluído dessa emergência certamente pretende se incluir. E os bombeiros do Rio podem ser o exemplo que muitos procuravam.

Nesse sentido, governos com a participação da esquerda devem aprender com a lição do Rio e evitar os erros cometidos no tratamento da luta dos bombeiros. Não devem desprezar as reivindicações. E, em princípio, não devem utilizar tropas de choque para reprimir, mesmo ações desesperadas, antes de esgotar todas as possibilidades de negociação.

A esquerda, por seu turno, tem o dever de estar integrada nos processos de mobilização social por melhorias econômicas e maior liberdade política. A não ser que queira deixar que a direita se aproprie da mobilização social, menos para obter sucesso naquelas melhorias e mais para criar um fosso entre as reivindicações populares e democráticas e os governos com participação da esquerda. Nesse sentido, uma análise mais apropriada do bom exemplo de mobilização dos bombeiros pode lhe fornecer outras lições para as lutas futuras. Mesmo porque, se o exemplo for seguido, talvez tenhamos uma boa retomada das mobilizações sociais.


Wladimir Pomar é escritor e analista político



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