quinta-feira, 3 de junho de 2010

Cacique Babau, Tupinambá: preso político


por Daniela Alarcon


Hoje, assisti a uma desembargadora confirmar que a luta pela terra se paga com a perda da liberdade

"Se é assim, o país está constituído por centenas de quadrilhas." Na tribuna, Paulo Machado Guimarães, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), leva às últimas consequências o decreto cautelar que mantém preso, há 81 dias, Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau, liderança Tupinambá da Serra do Padeiro, Bahia. Povo indígena organizado na defesa do território tradicional, não tem outra, é quadrilha.

Na voz dos brancos, a luta dos Tupinambá pela terra ganhou os nomes: esbulho possessório, dano ao patrimônio público, cárcere privado, formaç ão de quadrilha. Nas mãos da Polícia Federal, os índios ganharam choques nos órgãos genitais, chutes e outras formas de tortura, comprovadas pelo IML e nunca punidas. "O que nós estamos é diante do clamor de uma comunidade para que o poder público conclua o processo de demarcação de sua terra", enfatiza Paulo.

Na tarde de hoje, assisti à defesa de Babau efetuada por Paulo durante o julgamento de mais um pedido de habeas corpus, apreciado pela terceira turma do Tribunal Regional Federal, 1ª Região. Seu rosto tingido de escarlate; os demais participantes da sessão (excluindo-se os observadores, nós) inspiram e expiram ao ritmo de sempre. Uma hora de julgamento, e a desembargadora Assusete Magalhães determina que Babau deve continuar preso.

Ora, diz o decreto, ele não só ameaça a ordem pública, como representa perigo à própria comunidade indígena! Sem dúvida: estamos diante do "Lampião tupinambá", como esclarece a revist a Época . "Mais de 500 anos depois da chegada de Cabral, um índio aterroriza o sul da Bahia. Ele é o Cacique Babau. Invade fazendas para conseguir a demarcação de uma reserva indígena." (A íntegra, aqui:  (http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI105789-15223,00-O+LAMPIAO+TUPINAMBA.html). Não vale vomitar.)

Para o relator da sessão de hoje, juiz César Fonseca, a prisão preventiva está bem fundamentada. O crime não está em querer a terra, sustenta, mas em "querer a ocupação imediata da terra que querem ver demarcada". Fascinante: estamos diante de índios possuidores de direito, mas despossuídos de corpos. Índios com fome e sem ter onde morar devem simplesmente não ocupar espaço, enquanto esperam o dia dos direitos chegar. Será que haverá trombetas?

Segurança máxima

Ano passado, um grupo técnico de trabalho constituído pela Funai concluiu o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá. Hoje, o órgão tem às mãos mais de seis mil páginas de contestações remetidas por não índios, Paulo comenta. Para frear o processo demarcatório, a receita é simples: satanizar (acumulando queixas), ameaçar e contar com aquele braço amigo da imprensa local. (Até cadáver plantaram para incriminar os índios - historieta que caiu por terra, quando se achou o verdadeiro culpado.)

A movimentação das forças reacionárias dos municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, sul da Bahia, deu frutos. Na madrugada de 10 de março deste ano, Babau foi preso. "A essa hora? Flagrante", concluirão os apressados. Não, dormia em sua casa, com a mulher e o filho de três anos. "Numa ação irregular, a Polícia Federal invadiu sua residência em horário noturno, destruindo móveis e utilizando extrema força física para imobilizar o Cacique , que acr editava estar diante de pistoleiros, pois os agentes estavam camuflados, com os rostos pintados de preto, não se identificaram e não apresentaram mandado de prisão, além de proferir ameaças e xingamentos", descreve matéria esclarecedora do Cimi. Dez dias depois, foi a vez de Givaldo, irmão de Babau.

Enxergando a absoluta falta de provas materiais que liguem Babau às acusações, tanto o Ministério Público Federal quanto a Funai impetraram habeas corpus. Dois já foram negados, restam outros ainda.

Enquanto isso, Babau e Givaldo permanecem presos a mais de 1.300 km de casa. Ainda que o Estatuto do Índio possibilite ao indígena cumprir prisão preventiva nas dependências do órgão indigenista mais próximo de sua comunidade, em 16 de abril foram ambos transferidos - sem que a família ou a defesa fossem avisados - da Superintendência da Polícia Federal de Salvador para o Presídio Federal de Segurança Máxima de Mossoró, Rio Gr ande do N orte. Eu estava em Raposa Serra do Sol, com índios e representantes do governo, quando nos chegou a notícia da transferência. Era começo de noite e as luzes da nossa sala de reunião ficaram mais fracas.

Fonte e mais informações.
 

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